Epílogo:
 São 4 da manhã, há muito sangue por todo o quarto, sinto um calor muito forte em minhas mãos, um calor externo, como que um manto, uma película cobrindo sutilmente minha pele em forma de cobertor. Lembro do frio que sinto no corpo todo, e um sorriso sacana se faz no meu rosto ao pensar nessa contradição de sentimentos. A confusão logo vem e usurpa a leve paz, tal paz que naturalmente nunca existiu, péssimo hábito esse meu de criar sentimentos, na ausência de tantos por que reproduzir logo a paz, hipócrita! Minha respiração trafega suavemente, namorando meu pensamento ainda mais leve, cada vez mais leve. Sei o quanto disso é ilusão, o quanto disso faz parte de um sonho, e o quanto posso sonhar, mas agora não é o momento de limites, não quero impor limites a delicia dos prazeres, o prazer soberano que por muito tempo me desejara, que hoje me tem como eu a tenho. Aprecio cada segundo desse contato muito além do íntimo.
Afago o quanto posso o que tenho de lembranças, tento acreditar também na coesão entre lembranças e passado real. É o que tenho agora, é o meu medalhão da sorte, minha caixinha de músicas que guardo no criado mudo do lado de coisas importantes.


Capitulo 1

Abril de 1985, maternidade de Campinas, Goiânia-GO. É madrugada do dia primeiro em uma sala azulada, rodeada de desconhecidos vestidos de azul claro até a cabeça, com seus rostos escondidos e olhos de vidros que brilham ao reflexo de um exagero de luzes que surgiu aos sufocos e espasmos uma criança, do sexo masculino que tinha sua vida sendo retirada pelo que lhe alimentava, o cordão umbilical ainda presa também a placenta o estrangulava, na tentativa de ser rápido os especialistas se atrapalharam, e nitidamente o faltara ar, os segundos que se passaram enquanto a criança perdia sua qualidade da vida devido o tempo que o cérebro ficou sem ar, claro, não foi pro relatório.
A criança ganhara nome,  escolhido pelos pais por ser o nome do falecido futuro padrinho da criança, que fora assassinado um mês antes do nascimento do seu afilhado. Inácio, o padrinho, deu lhe mais do que o nome de presente, sua personalidade na infância se identificava e muito com a personalidade do padrinho. Inácio, o padrinho foi morto com 18 tiros em uma chácara no entorno da capital, a partir de março de 1985 um terço de Goiânia estaria temporariamente órfã da distribuição livre e fácil das variadas opções de drogas que seu padrinho trazia de suas viagens. Inácio, o padrinho, era irmão mais velho do seu único irmão, e pai de Inácio, o afilhado.
O pai de Inácio, Francisco das Chagas, era o Chico do ferro velho, conhecido assim na vila Canaã onde tentava viver, na tentativa de ter um emprego, uma família, uma vida digna de respeito. Chico do ferro velho era negro, mas um negro médio, que pra quem olhava rápido pensava que era um velho queimado de sol, que na verdade era um velho queimado de sol, mas portador da infelicidade de já ter nascido praticamente assim, ele tinha os olho castanhos foscos, seu olhar não demonstrava vida de personalidades, não demonstrava ao menos interesse de algum tipo de vida.
Chico era freqüentador de um bar próximo sua casa, onde ali ficava todos os dias depois do dia de trabalho, onde muitas conseguia ir andando, outras carregado, quem o carregava era sua esposa, mãe de Inácio o afilhado cujo nome perpetuou como desconhecido, reinando o pseudônimo tia Sul, deveria ser somente tia su, mas como ela assinava com L nas continhas de mercado e feira, alguns faziam questão de puxar o L quando falassem seu nome  por conhecer o quanto todos conheciam das aventuras sociais que tia sul praticava no seu bairro. Na verdade a mãe de Inácio sofria de esquizofrenia, habitava ali uma infinidade de personalidades por também ter crises de transtornos bipolares carregados de tudo que habitava debaixo de grisalhos e volumosos projetos de cachos, deixando evidente a enorme desproporção estética no contraste com seu corpo muito magro de membros longos.
 A origem da família da mãe nunca fora discutida pela família de Chico, muito menos pelos residentes do bairro. Já a família de Chico era da Bahia, que cansados vieram em busca de algo melhor, quem responde ao pedido é a desilusão. Que logo cedo fez com que os pais de Chico e Inácio morressem de uma doença infecciosa que devastara quase a metade dos que viviam na pequena e amontoada vila onde ali corriam crianças descalças que não demorariam a ter o mesmo fim. Após a morte dos pais, Inácio então com 19 anos se vê tendo que sustentar seu irmão, que aos seus 14 anos, não demonstrava total amor a vida, mas ainda sim sentia fome. Chico era mais alto, tinha um corpo de homem, mas pensava e agia como um adolescente, não tivera a oportunidade de desenvolver a maturidade, fora cuidado pela mãe de forma exagerada, por ser muito diferente de todos da família, Inácio sim era bonito, tinha olhos vivos, um castanho alegre, uma pele mais limpa, bronzeada. Seu Sorriso era uma mistura sutil entre malicia e sinceridade. Inácio era bajulado pela mãe, pelas amigas da mãe e pelas magricelas doentes e descalças da vila. Inácio não acreditava na sua beleza por não ter dito assédio de um feminino real.
Inácio por fim decide procurar emprego, que em um bar tenta usar dos seus baratíssimos e inocentes argumentos com o velho que daqui a alguns anos levaria seu irmão ao alcoolismo e decadência. O velho, conhecido por Toin não se importava em como dizer o não, simplesmente negava qualquer que seja o pedido de Inácio, ao fundo do bar, vindo da penumbra veio uma voz macia e doce, que pergunta:
- Que tipo de emprego você procura garoto?
- Hã? É comigo que você está falando?  - disse Inácio.
- Vejo que você é perfeito pro que tenho a te oferecer, não precisa mesmo ser tão inteligente... – E do brilho do cigarro surgiu uma mulher, que ao levantar tirou o que ainda tentava existir de juízo nos pensamentos de Inácio.
- Meu nome é Sandra, não grave esse nome, não vai precisar gravar somente esse nome. Vem comigo, talvez eu tenha algo pra você, se do que precisa é dinheiro... – disse uma mulher de um pouco mais de 1,70 metros de altura, seu corpo descomunal causava-lhe a impressão de trabalhado a mão minuciosamente, por um artista que com a maior das certezas morava muito longe do seu bairro. Seus cabelos tinham a aparência do perfume que deixaram ao passar por ele, instintivamente seguiu Inácio, pra onde pouco importava, pouco importava também que Toin, o dono do bar estava a dizer que a senhoria não havia pagado o que tinha consumido. Nem notou também que seus lábios balbuciaram algo como ‘anote que depois eu pago’.
Enquanto seguia Sandra, Inácio observava a novidade do que via a sua frente, esporadicamente ela o olhava indiretamente, seu olhar periférico e profissional conferia o que estava sob sua responsabilidade comercial, talvez Sandra consiga ter finalmente sua carta de alforria. Em um prédio velho e mal distribuído por quartos, todas com portas velhas e definhadas onde algumas adolescentes circulavam por ali, onde também se via alguns homens mais velhos, de roupas que também não eram nativas do seu bairro, tão logo aprenderia de onde vinham, e quem seriam esses homens. Uma das portas se abre tão rápido quanto já se fecha às suas costas. 

(fim do primeiro capitulo)

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Arnaldo Júnior

Pseudônimo: Dinho
Idade: 24 anos
Signo: Áries
Humor: Sarcastico, exagerado
Qualidade: Nula
Defeito: Egoísmo, egocentrismo, narcisismo, pseudo-auto-suficiência, estilhaços variados de distúrbios psicológicos.